sexta-feira, 28 de janeiro de 2011


Foto:João Ferraz


Murissoca: Vim para lutar, para ficar e para vencer

O sertão era difícil. Pobreza.Vida de seca. O sustento tirado da roça. Mas o menino José Henrique de Azevedo Júnior tinha sonhos de uma vida melhor. E conseguiu.Tornou-se um dos mais conhecidos representantes de medicamentos de toda a região. Da forma como ele narra a sua trajetória parece que tudo foi fácil, mas só parece. Sempre lhe foi exigido algo, conhecimento, facilidade de comunicação, boa apresentação. Até o apelido ele aceitou como um presente e até no seu crachá empresarial vinha escrito Murissoca. “No nordeste o pernilongo é chamado de murissoca, quando iniciei minhas atividades num laboratório, estava num hotel em Catanduva e um dos colegas perguntou se eu tinha sentido pernilongo. Falei que havia sentido murissoca, pois para mim era uma expressão comum lá onde eu morava. Para ele também foi uma surpresa a forma como eu havia respondido. No café da manhã e a partir daí foi se popularizando o pseudônimo. Hoje 99,9% das pessoas me conhecem pelo apelido”. Hoje, aos 56 anos, Murissoca está aposentado, mas antes a empresa ofereceu um curso póscarreira, ou seja, uma forma de como administrar o tempo ocioso. Ele diz que aprendeu e o preenche convivendo mais com a família, com pessoas de outras áreas e não somente ligadas à classe médica e passou a frequentar grupos de colegas, clubes, alguns bares e confrarias. Murissoca, ao longo de sua trajetória como representante de laboratório, viajou muito e adquiriu muitos conhecimentos técnicos para se comunicar com os médicos e explicar a função dos medicamentos produzidos pela empresa farmacêutica que representava como a descrição, ação, vantagem, indicação e apresentação, enfim vender não o medicamento em si, mas sim o conceito sobre as características e os benefícios para os doentes. “Trabalhei com produtos indicados para especialidades como cardiologia, neurologia, ortopedia, oftalmologia, endocrinologia, clínica geral”. “Trabalhava com uma média diária de visitas a pelos menos 15 médicos. Em 20 dias úteis significava cerca de 300 contatos”. Murissoca vivia na verdade como um caixeiro viajante. Passou por muitas cidades. Chegava a ficar mais de dez dias longe de casa. A volta Murissoca voltou para rever os pais no nordeste depois de 10 anos que estava no estado de São Paulo. Foi sua primeira viagem de avião. O encontro foi promovido pela empresa em que trabalhava. Foi um cenário impressionante e comovente, pois ao término de uma reunião empresarial pediram a ele que estava na platéia que se dirigisse ao palco para que revisse os pais José Henrique e Raimunda (já falecida). Ele conta que aprendeu muito com os colegas mais experientes. “Quando as pessoas realmente gostam de você sempre buscam falar a verdade. Entendo que as muitas vezes para que eu ascendesse na minha profissão, muitos foram duros, me cobraram muito e insistiram. Isso tive de minha família e de meus pares para que eu tivesse um crescimento profissional”. Ele conta que o segredo do bom vendedor é ter o ser humano como a maior valorização. “O dinheiro está sempre circulando, nós que temos que ter a aptidão, a arte de persuadir e convencer as pessoas que você está agregando algo de benefício para que tenham uma vida saudável. No meu caso, a cada médico visitado eu levava uma informação de cunho científico para que ele pudesse ajudar as pessoas a terem uma melhor qualidade de vida e esse foi o meu trabalho enquanto permaneci na indústria farmacêutica”.

Inesquecível batismo de fogo

Quando chegou em Araraquara, o superior de Murissoca o deixou hospedado no Hotel São Bento e voltou para Ribeirão Preto. “Como fui admitido na empresa vim ao contrário dentro da hierarquia, mas eu havia sido admitido por um gerente de São Paulo”. Já instalado no hotel, Murissoca saiu sozinho. Não tinha carro e nem habilitação. Saiu sozinho para visitar médicos. “O primeiro consultório que passei foi o dr. Haroldo Petlick, na Osório. Perguntei à secretária qual era o consultório mais próximo e neste momento estava presente um representante de laboratório que já residia aqui em Araraquara. Num bate papo ele ficou sabendo que eu nada conhecia e me ofereceu uma carona. Dei graças a Deus e pensei que meu anjo da guarda estava me ajudando”. Assim, esse representante levou Murissoca até o consultório do Dr. Eduardo Lauand, que atendia os propagandistas por volta das 14 horas. Ato contínuo, quando Murissoca chegou ao consultório já estavam presentes mais dois representantes. “Ficamos em quatro no consultório. Quando o médico chegou eles (representantes) deram um ‘toque’ para o Dr. Lauand que simulou uma breve confusão. Quando fui me apresentar, dizendo a qual laboratório pertencia, que havia chegado do Nordeste ele me perguntou por que eu estava rindo na cara dele e se eu já o tinha visto alguma vez. Aquilo causou uma diferença. Ele continuou insistindo dizendo porque eu estava rindo na cara dele. E eu negando. Ele se tornou tão agressivo até que abriu a primeira gaveta, a segunda, a terceira, até que voltou à primeira e de lá puxou um revólver. Me assustei. Depois fiquei sabendo que era bala de festim. Era para criar aquele impacto imediato. Era o famoso batizado. Assustei, mas ele atirou.Tentei pular a janela. Não vi mais nada. Foi o grande momento”. Entre a cruz a espada Aquele dia acabou para ele. Ficou sonolento. Os colegas ficaram preocupados. No dia seguinte, outro colega o convenceu a retornar no consultório do dr. Laund, pois ele era uma pessoa muito boa, um médico de muito conceito na cidade, de família tradicional e ele queria me ver. “Fiquei entre a cruz e a espada. Fui com outro colega. No mesmo horário. Quando o dr. Lauand surgiu na sala nos disse que nos atenderia logo em seguida e nos ofereceu balas. Meu colega começou a puxar conversa e a cada vez que eu ia falar, a minha boca espumava e ardia. Quando ele apareceu perguntou o que estava acontecendo, por que eu estava daquele jeito. Falei que era a bala que ele havia me dado. Era mais uma de suas tradicionais pegadinhas. Minha boca estava completamente azul”. Murissoca conta que a partir desse episódio ganhou a solidariedade de seus colegas de laboratório, na época, pois era recém-chegado e não tinha conhecimento de nada e sozinho. “Foi, na verdade, uma grande oportunidade”. Ficou na empresa de 75 a 78. Depois passou para a Baldacci e a partir de 84 entrou para o laboratório americano Merck Sharp & Dhome, onde permaneceu até se aposentar no dia 3 de junho de 2008. Em Araraquara, Murissoca construiu sua vida. É casado com Carmem. O casal possui dois filhos: José, mais conhecido como Tito, de 27 anos, e Maira, de 25 anos.

Somente com uma mala


Esse homem nascido em Patu, interior do Rio Grande do Norte, é o primeiro de oito filhos. Ele não percebe, mas seus olhos se inundam de lágrimas e sua voz fica um pouco mais rouca, quase falha, ao falar da infância pobre. Com 13 anos foi estudar e trabalhar na capital. Morou na Casa do Estudante no Rio Grande do Norte. Seu primeiro emprego foi numa farmácia. Determinado, em sua juventude sempre teve a expectativa e motivação de buscar um espaço melhor dentro de alguma atividade profissional. Com isso, do sonho de vencer na vida, seu principal motivo, José Henrique partiu para São Paulo. Sozinho. Deixando os familiares em Patu. Tinha 22 anos. “Sai de lá do Nordeste sem emprego, sem nada. Uma aventura. Só com uma pequena mala, pois não deu para comprar uma maior”. Saiu dia 31 de julho e chegou dia 2 de agosto de 1975. “Cheguei como a maioria dos nordestinos, para me aventurar. Não tinha lugar onde ficar ”. Nessa primeira fase ficou na Estação da Luz por dois dias. Sábado e domingo. Na segunda- feira foi em busca de emprego. Arranjou. A loja era de confecções, a Guararape, localizada na Rua Direita. “Vizinha à confecção tinha uma farmácia e quando estava na loja tinha contato com representantes de laboratórios na farmácia e um deles me indicou um pequeno laboratório que me deu a primeira oportunidade. Só que a vaga era para o interior de São Paulo. Eu topei”. Mas não foi assim tão fácil, antes disso, Murissoca foi até essa empresa, que lhe dava a esperança de que iria conseguir a vaga, mas foi a sua persistência que fez com que observassem a sua imensa vontade de conseguir o emprego, de trabalhar. Essa cidade era Araraquara. Murissoca ficou em São Paulo apenas 15 dias. Antes de vir para Araraquara ficou durante algum tempo em Ribeirão Preto, onde ficava seu superior, até que veio para Araraquara no dia 8 de setembro. “Ai foi a grande oportunidade de minha vida”.

 (Publicado em 4 de outubro de 2009)

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