sexta-feira, 28 de janeiro de 2011


Foto-João Ferraz

Gilio e Gilberto: mais de 40 anos dedicados ao cultivo de hortaliças


Pai e filho já cultivavam a horta orgânica num tempo em que não se falava no assunto; houve épocas difíceis, mas o amor pela terra sempre falou mais alto


Muitos se lembram do Faim, chácara que surgiu a partir de uma divisão de terras entre herdeiros. Aquele era um tempo em que os meninos podiam se embrenhar mato adentro e viver a grande aventura de ‘roubar’ algumas bananas, em que era uma delícia passar por pequenas pontes e chegar até a próxima horta. Tempo em que a atual rodoviária não existia. Era ainda a chácara dos Mauros e as atuais duas pistas que dão acesso à rodovia eram uma única. No meio dessa história, vamos encontrar dois bravos personagens que assistiram todas as transformações da região: Gilio Jacinto Cardoso, 81, e seu filho Gilberto Domingos Cardoso, 54. Voltando algumas décadas no tempo podemos observar Gilio cultivando caprichosamente uma horta para Zé Segura, que tinha um cunhado, o Zé Faim, o qual ficou encantando ao conhecer o trabalho do horticultor. Faim confidenciou a Gilio que na mesma região herdaria parte de uma área de uns cinquenta alqueires, e que a terra ainda não estava dividida, mas mesmo assim prometeu ao horticultor que assim que essa divisão acontecesse o buscaria onde estivesse para que cultivasse a sua parte. E cumpriu. Gilio estava em Fernandópolis quando recebeu uma carta o convidando. Depois da divisão, os herdeiros arrendaram as terras. Muita gente plantava. Oito anos depois, Faim decidiu vender suas terras. Mas o novo proprietário não os mandou embora e Gilio continuou com a horta que, aos poucos e cada vez mais, foi diminuindo. Dos cerca de seis alqueires, hoje cultivam 7 mil metros quadrados. “Havia plantações, frutas. Isso aqui era a coisa mais linda”, relembra Gilberto. “Sobrou um pé de caqui, mais velho que eu”. Gilberto que trabalha ombro a ombro com o pai, tinha 9 anos quando vieram morar na chácara próxima ao Córrego do Ouro. Não existiam casas, nem ruas. Mas avisa que não é patrão. São parceiros. Sobreviventes A pavimentação da região representou ao mesmo tempo o céu e o inferno para a família. Por um lado passaram a ter mais clientes, pois o acesso à horta ficou mais fácil, mas por outro ângulo, a abertura de novas ruas acabou com o córrego que passava pela chácara. Foi uma fase difícil, muito difícil, mas um amigo veio com a solução: a construção de um poço. Parece que num piscar de olhos surgiu a rodoviária, o local em volta da horta foi se transformando em loteamentos, ruas foram abertas, bairros como São Jorge, Gaivotas e Arangá foram formados. Hoje sobre a cabeça dos horticultores paira o monstro da insegurança e da incerteza: até quando vão poder ficar no local que cultivam há mais de 40 anos? Mas acham que valeu à pena. Conseguiram construir uma casa ao longo dos anos, mas não possuir o lugar que cultivam é um medo constante. Enquanto isso, a vida segue em sua rotina. ‘Seo’ Gilio acorda cedinho, às 6h30 já está na horta, o filho, um pouquinho depois, às 7 horas. O trabalho nunca para, se não tem freguesia, pode– se preparar canteiros para as futuras hortas, por exemplo. Gilberto conhece a área que um dia foi uma grande chácara como a palma da sua mão. Vai apontando o local em que morava antes de vir para o então Faim. Dá para ver, pois era ali nas proximidades. “Tinha três anos. Gilio e Gilberto. Gilberto e Gilio. Pai e filho. Filho e Pai. Respeito. Cumplicidade. Amizade. Unidos por um mesmo amor: cultivar os frutos da terra.

A chácara aos poucos foi sendo engolida por loteamentos, mas a horta cultivada por Gilio e Gilberto ainda sobrevive


Horta orgânica


Num tempo em que nem se ouvia falar de orgânico, Gilio e o filho já utilizavam somente esterco no cultivo das hortaliças, ou seja, não usam pesticidas nem agrotóxicos. Assim o freguês que ingere os produtos dessa horta sabe que não está comendo nenhum componente tóxico. “Usamos esterco natural para não estragar a terra. Evitamos ao máximo de passar veneno”. Também, aos poucos foram sendo orientados a fazer um viveiro de mudas que tratam como se fossem bebês até serem transplantados na horta. O resultado desse esforço pode ser observado na qualidade do que ali é cultivado: imensos maços de couve, rúcula, almeirão, alface, chicória, beterraba, cheiro-verde, agrião e banana. Tão perfeitos que enchem os olhos. E a prova disso é a grande freguesia que se forma, principalmente aos sábados pela manhã, quando é necessário ajuda extra para atender tanta gente. É até preciso dar senha para não haver confusão, mas as pessoas quando não desistem, fazem da espera uma grande sala de conversa. E são consumidores fiéis, tanto que dizem que se um dia a horta fechar, por um ou outro motivo, não terão outra alternativa a não ser fazer um abaixo-assinado.

Se valeu à pena?

Gilio Cardoso é natural de Américo de Campo, SP, próximo a Tanabi. Nasceu numa casinha de sapé que tinha dois cômodos. “Era que nem a casa do João-de-barro”, ri o horticultor que desde criança gostou de trabalhar com a terra. Casou-se com Margarida com quem teve dois filhos: Maria Goretti e Gilberto. Maria trabalhou durante muito tempo na horta, só parando por conta de um problema de saúde; e Gilberto, casado com Tereza e pai da Gisele e do Gilson, hoje com 54 anos, trabalha com o pai desde a mais tenra idade. Considera seu trabalho na horta um ramo muito difícil nos dias atuais. Ele conta que os filhos não são envolvidos com a terra como ele e o pai, e até agradece por isso. Ele conta que antes do filho Gilberto nascer, trabalhava em Araraquara. Foi embora, mas depois, em 1954, voltou. Em 1960 foi para Fernandópolis. Em 1965 retornou para Araraquara onde está até hoje. São 44 anos. De aparência frágil, o corpo magro de Gilio, 81 anos, destoa das mãos grandes, fortes e calejadas que parecem conter toda a energia do mundo. Ele ri gostosamente quando perguntamos de onde tira tanta força para trabalhar. De toda essa região sou o mais velho. Os herdeiros venderam, os parentes mudaram ou morreram. Ele revela que construíram a casa onde moram em cima do alicerce da casinha antiga. “O alicerce da casa tem quase cem anos”. Se valeu à pena trabalhar na terra todos esse anos? “Valeu à pena… que você pega reumatismo e prejudica a coluna”, diz Gilio ao mesmo tempo em que mostra orgulhoso uma foto de uma tataraneta. “Minha quarta geração”. E sobre o que espera daqui para frente, brinca dizendo: “Não quero mais nada não, só espero a sepultura”. Mas revela que a perda da esposa, companheira de uma vida inteira, falecida há um ano, o entristeceu demais. Ficou um bom tempo depressivo, mas a lida na horta o salvou, pois ali ele não cultiva somente hortaliças, cultiva também a sua vida.






(Publicado em 27 de setembro de 2009)

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