A jornalista Célia Pires, eclética profissional de imprensa, é a editora da coluna “Você faz a história”, que tem a finalidade de focalizar personagens da cidade. Habilidosa, colhe, em suas entrevistas, dados importantes que lhe permitem a elaboração de reportagens e histórias interessantes(J.Rufino)
sábado, 29 de janeiro de 2011
Foto~João Ferraz
Beto Caloni: Meu dom natural é a palavra
"Nunca tive maiores ambições. Entro em qualquer lugar.
Quem não gosta de mim deve ter problema na vida”
Dar uma entrevista, eu? Perguntou surpreso José Roberto Caloni, ou melhor, Beto Caloni, quando a reportagem ligou pedindo para que participasse da coluna “ Você faz a História. É que, talvez, esse jornalista nascido em 4 de janeiro de 1951, na Vila Xavier, desconheça a importância de alguém que por algum motivo ou feito se torne parte da vida das pessoas. E Caloni conseguiu esse feito quando compôs Flanando no Boulevard, música que fala de Araraquara e seus costumes em 36 versos abordados com muito bom humor. Gravada pelo próprio Caloni, a música ganhou ainda mais força quando o jornalista José Carlos Madalena começou a tocá-la em seu programa. Foi feito um clipe. Alguém jogou no You Tube que já contabiliza milhares de acessos. Tudo conspirou para que a música acontecesse: mais de 22 sites de distribuição, pirataria, além da chamada propaganda viral, com gente de fora deixando comentários emocionados, no You Tube, com saudades da terrinha natal, agradecendo a oportunidade de ‘rever’ na composição ou sambinha de letra inteligente com arranjos de Carrapicho e Fabiano. Cantou, pois os outros cantores ficaram temerosos com a reação do povo. Esse sucesso todo que praticamente virou um fenômeno de mídia, há mais ou menos um ano e meio, foi uma grata surpresa para Caloni, pois a primeira música que gravou. Nunca havia cantado em público. “Acho que ninguém havia brincado com Araraquara. Ninguém pagou um mico do jeito que paguei. Foi uma comoção. Pessoas me procuraram e me param na rua até hoje. Mas o que me deixou mais emocionado com isso tudo foi que as pessoas me agradeciam, como se eu tivesse feito a música para cada uma das pessoas de Araraquara que encontrei”. Para ele o ‘muito obrigado’ teve um sabor diferente. “Isso que foi fantástico”.
A primeira pauta a gente nunca esquece
Caloni conta que a música é algo recente em sua vida. Aprendeu a tocar violão sozinho, na adolescência, no início dos anos 70 com aqueles livrinhos com músicas cifradas. Mas a musicalidade presente em sua vida é herança de família, pois seu saudoso pai cantava muito. “Acredito que se alguém tem talento para a música é fundamental que os pais cantem perto da criança. Tenho uma formação musical intuitiva. Aprendi tocar violão sozinho e piano recentemente. Comecei a compor agora, depois dos 40 anos de idade, mas meu dom natural é a palavra. É escrever. Desde novinho, vi que eu tinha muita facilidade para escrever”. E foi essa facilidade para escrever que o levou ao jornalismo. Guarda a data em que começou no jornalismo: dia 10 de setembro de 1978, no Diário, na época do Roberto Barbieri (seis meses antes do mesmo falecer). A primeira pauta entrevistar o Cônego Cavalini, que estava assumindo como provedor na Santa Casa. Na segunda pauta, a constatação do que estava escrito nas estrelas: ser jornalista. “No dia seguinte, a pauta era para procurar uma senhora perto do Quitandinha cujo marido, que era motorista de caminhão, havia desaparecido.Voltei ao jornal com as informações e não encontrei o Ivan Roberto. Sentei na máquina de escrever para ir adiantando a matéria, deixar meio pronto. No dia seguinte, o texto estava impresso. Ai não precisou mais nada…” A faculdade (FIAM, São Paulo) ele resolveu fazer depois de achar que o jornalismo praticado na cidade era anárquico e meio amador. “ Eu achava que o jornalismo poderia ser bem feito, pois sempre achei essa profissão bonita demais. “A faculdade me deu respaldo, pois acho que curso superior vale à pena para qualquer coisas. Acredito que a pessoa tinha que fazer um curso superior para viver e não para trabalhar. Sou a favor do diploma, se não de jornalismo, que seja um outro, se não, não, pois se você é formado não pode alegar ignorância, principalmente a questão da deontologia, pois tem gente que não tem noção nem do que é ética”. Química geral Caloni trabalhou em todas as áreas possíveis da comunicação, da TV à publicidade. E o fato de ter trabalhado em muitas áreas faz com que muitas vezes veja o jornalismo como química geral misturando arte e jornalismo.
O jornalista também é um apaixonado pela história da cidade. “Fiz uma opção. Achava que se eu quisesse continuar uma pesquisa como intelectual tinha que optar por alguma coisa. Notava que todo mundo pegava uns temas muito esquisitos como ‘cinema alemão nos anos 20’. Não. Eu tinha que estudar a minha terra. Meu chão. Então desde 86 que comecei a pesquisar. Fiquei muito amigo do professor Rodolpho Telarolli (falecido) e optei por isso. Mas é um hobby. Talvez eu tenha sido o primeiro a falar sobre o livro Macunaíma, como foi escrito; sobre o sitio arqueológico. Curioso é que depois começaram a escrever e eu não fui citado nem como fonte”. Indagado sobre algo que o tenha marcado, o jornalista conta que prestava serviços a uma escola de surdos mudos. “Doaram à entidade instrumentos musicais. Mas eram crianças surdas mudas. Descobrimos que era possível que tocassem”. Assim foi montada uma fanfarra com 40 crianças surdas- mudas que chegou a viajar por várias cidades. “Ninguém sabia que eles eram surdos mudos. Tocavam, mas só o ritmo. Isso foi uma coisa importante demais que eu fiz. Mas também só hein!”
Apoio para o vídeo
Além da mãe, Caloni tem mais três irmãs. Assim seu contato com o universo foi intenso, como encontrar bobes de cabelo dentro do violão. Mas o casamento não foi para ele que casou, mas descasou. Hoje, está terminando o seu livro, romance que se passa em Araraquara no início dos anos 30 e que deve se chamar “Norte Sensato”. Fala da quebra da cafeicultura. O jornalista também ministra cursos de roteiro de cinema e TV, além de participar de produções culturais, sempre com o intuito de que tenham alguma finalidade. Também está trabalhando num vídeo e livro sobre o professor Telarolli. “Estou precisando de apoio para terminar o vídeo. Temos a idéia de fazer uma grande festa em agosto com músicos, reunindo muita gente. A festa deve se chamar Conclave de Sol”. Também está nos planos escrever o programa Ponto G, na Net, além de um trabalho ligado à terceira cidade, entre outros projetos. Cara briguento Conhecido como briguento, Caloni, diz que isto é um lance de coerência, pois fica indignado diante de certas coisas, mas gostaria também de ser conhecido pelo outro lado, pois quando reconhece alguma coisa de verdade é bastante generoso, valoriza e se empenha. “O que não gosto de ver é maracutaia, coisa mal feita e não que eu seja briguento, é que eu tenho mania de falar o que é verdade. Então, se tiver que falar eu falo mesmo, mas procuro não pisar na bola. Tenho um senso ético bastante apurado. Não me meto na vida dos outros e quando tenho que brigar falo o que falo mesmo, mas por outro lado quando tenho que defender, quando vejo uma injustiça, quando tenho que ajudar alguém procuro fazer isso de uma forma bem generosa”. Ele afirma que é uma pessoa que gostaria de ser reconhecida pelo seu trabalho. Só por isso. “Não precisa gostar de mim, desde que gostem do que eu faço. Tenho muita dificuldade em lidar com as pessoas, com o ser humano. Isso na medicina deve ter um nome bonito e na psicologia deve ter um nome alemão incrível para esse tipo de comportamento. Tenho mania de perfeição. Adoro desafios e acredito que tenho uma capacidade intelectual um pouco acima, pois dou conta de fazer tudo o que quero. Não tenho modéstia. Não tenho vocação para celebridade: quem compõe e escreve roteiro geralmente não aparece, escritor dá para contar nos dedos os conhecidos. Nunca tive maiores ambições. Entro em qualquer lugar. Quem não gosta de mim deve problema na vida, pois não procuro prejudicar ninguém. Imagino que sou coerente. Podem me acusar de tudo. Até dizer que sou arrogante, mas injusto e ingrato não sou não”. Araraquara para ele se divide em duas parte: cidade e população. “O meu caso é com a cidade”.
Ao término da entrevista, Beto Caloni fica meio que preocupado com as fotos e recomenda ao fotógrafo João Ferraz que capriche na utilização do photoshop, desconhecendo, talvez, que a beleza está em ser exatamente como ele : uma pessoa de verdade.
(Publicado em 30 de matço de 2009)
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