Vera Botta, a mulher que carimbava estrelas
A filha de Edith Silveira Botta e Alfredo Botta sempre foi uma apaixonada por política, tanto que seguia nos ombros do pai, que deixou seu nome vinculado a Casa Barbieri, onde trabalhou por 40 anos, ouvir os discursos de políticos como Pereira L., que aconteciam na cidade na época de sua infância. “Chegava a chorar de tanta emoção”, conta ela.
Tudo isso foi construindo a identidade da menina que mais tarde viria a se tornar uma das mulheres mais atuantes da cidade. Tanto que chegou a ser presidente do Partido dos Trabalhadores, tendo sido eleita vereadora pelo PT por duas vezes em Araraquara, sendo autora de várias leis municipais, relevantes, diga-se de passagem.
Vera passou por escolas como Pedro José Neto, EEBA, mas de espírito inquieto queria algo desafiante que pudesse ajudar a fazer alguma transformação. Assim o caminho foi cursar Ciências Sociais. “Faço parte da primeira turma de Ciências Sociais da Unesp”, diz. Ela começou a dar aulas de sociologia na universidade com 22 anos e na sala de aula tinha alunos muito mais velhos do que ela. “Dava medo, mas eu era jovem e idealista. Foi uma prova de fogo”, diz rindo a mulher que aos 29 anos já era doutora na área.
Mas não são somente de alegrias as recordações, pois nos anos de chumbo (ditadura militar) viu vários colegas serem aprisionados e desaparecerem, professores serem ‘aposentados’.
Mão na massa
Vera Botta sempre foi uma pessoa consciente do que quer. A vida política sempre foi bastante intensa e pautada na ética. Quando se filiou ao PT em 1982 ajudou na construção do partido na cidade. “Para mim o partido simbolizava a mudança. Eu e um grupo recortávamos estrelas de espuma e fazíamos com elas uma espécie de carimbo que mergulhávamos em tinta vermelha. A cidade amanhecia com o chão forrado de estrelas. Tínhamos muitos sonhos de transformações”.
Quando aconteceu toda aquela problemática no partido, Vera optou por ficar, pois acredita que não se deve fugir dos problemas quando eles surgem e sim enfrentálos. Para ela, o partido teve muitas vitórias em sua trajetória.
Foi uma vereadora bastante briguenta, defendendo os seus projetos que garantiriam direitos à população.
Vera não chegou ao mestrado e doutorado na Unesp por acaso. Chegou a livre-docente e foi professora titular.
Só para citar, pois seu currículo é extenso, sempre esteve envolvida em pesquisas e inclusive tem vários trabalhos publicados sobre assentamentos rurais, movimentos sociais, políticas de enfrentamento à inclusão social, redes de cooperação, segurança alimentar, programas municipais e pequenos produtores.
Vera significa muito na vida de muitas pessoas, tanto que o título de Cidadã Benemérita, de autoria de Márcia Lia, que recebeu não foi apenas de fachada. Ela literalmente coloca a mão na massa. É professora de colocar o pé na terra, abraçar o ser humano em toda a sua essência, seja este de que classe for, pois acredita que é fundamental acompanhar o modo de vida das pessoas que aparecem, principalmente em suas pesquisas.
Simplesmente Vera Botta
Atualmente Vera Botta é coordenadora de Mestrado, faz parte da executiva do PT e é pesquisadora do CNPq.
Tem na única irmã, Sueli, a sua companheira-mor que junto com o filho Gustavo Botta, 38, são as relações mais preciosas de sua vida. “Temos uma relação bonita, de almas, pois sem uma relação de cumplicidade nada vira”.
Vera se diz uma mulher sem fronteiras e é contra qualquer discriminação. “Gosto de reinventar a vida”, confessa.
Ela conta que ainda tem uma saudade gostosa da infância, de suas férias passadas em Matão em meio a jabuticabeiras e pitangueiras, de sua mãe e de seu pai, ao qual era muito ligada. “Não tenho arrependimentos. Eu faço. Enfrento”, diz cheia de si essa ariana nascida no dia 25 de março de 1945.
Vera também foi agraciada com o Título de Cidadã Benemérita, o que, lógico, a deixou ainda mais honrada, pois antes desse título, em 2009, havia sido convidada para fazer parte da Academia Brasileira de Ciências Políticas e Sociais Nacional. Só para se ter uma idéia o convite é feito a partir de uma seleção de currículos baseado em critérios acadêmicos, o que para ela foi uma grata surpresa.
Vera é uma pessoa que fez de sua trajetória acadêmica não uma torre de marfim, mas que tentou levar o conhecimento para a população, para os segmentos mais carentes e servir à cidade sempre com muita alegria.
Vera que já morou fora em locais como México e França se declara uma apaixonada por Araraquara, não troca a cidade por nenhum outro lugar do mundo. “É bom sentir reconhecimento”, diz orgulhosa se lembrando de um dos discursos que o filho assumidamente corintiano fez a ela em alusão ao centenário do timão. “Ele (filho) é a luzinha de minha vida”.
Vera Botta acha que um de seus ‘papéis’ mais importante é ser mãe do Gustavo.
Ela adora mexer em plantas, cozinhar. É uma pessoa tão importante que se dá ao luxo de ser extremamente simples, uma pessoa cujos alguns valores são mais importantes do que qualquer outra coisa que poderia ganhar na vida, como por exemplo, ser mãe de seu filho Gustavo é mais importante do que ganhar qualquer eleição, do que ter qualquer posto público ou receber todos os títulos da vida.
Viver cada pedacinho da vida
Vera teve duas grandes perdas de parceiros, o seu primeiro marido, o músico Paulo e seu segundo companheiro Jean Marie. Ela conta que trabalhou as perdas, primeiro fazendo tudo que poderia ter feito pelas pessoas quando estavam vivas. “Não tenho sensações do tipo ‘’ai se eu tivesse feito’, e tenho certeza que tanto pelo Paulo quanto pelo Jean Marie foram feitas coisas que poderiam ter sido feitas em vida. “Tenho recordações boas. O luto tem sempre que ser vivido, mas também acho que a vida continua. Não sou uma pessoa que considera a perda como uma morte emocional. Reajo buscando as coisas que gosto como música, jogar baralho, ler, escrever”.
Vera deixa claro que quer viver cada pedacinho da vida. “Quero ser avó, continuar vendo meus alunos se formando, continuar trabalhando pela minha cidade, continuar sendo uma petista que dá trabalho, quero continuar tendo uma cabeça bastante privilegiada que me faz encarar a idade não pelas rugas que ela traz, mas pelas experiências e pelas marcas que ela tem”, diz a inquieta e irreverente professora que ainda tem muita coisa para fazer, “inclusive ver a primeira mulher presidente do Brasil”.
(Publicado em 30 de agosto de 2010)
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