sexta-feira, 28 de janeiro de 2011



Foto-João Ferraz


Sabaúna, um coração movido a bateria


O apelido Sabaúna que vem do Tupi-Guarani e significa “Concha Preta”, um molusco de água doce, acabou se transformando em nome artístico, ele ganhou de um amigo, o policial aposentado Osmar Campos. O filho de Chrispim Servino e de Maria Aparecia (in memoriam), José Carlos Servino nasceu em 17 de janeiro de 1951 na Rua Itália. Cresceu com os irmãos Roberto, Regina e Elaine na Vila Ferroviária, pedaço magnífico da infância. Quando tinha 8 anos, a família se mudou para Prudente da Moraes, na área central. Ali foi a mais bela paisagem da vida na meninice. Época mágica de bolinha de gude, pegapega, esconde-esconde, natação na Ferroviária, pingue- pongue, trilha e dama. O único ‘dessa cor’ no meio dos branquinhos jogando futebol. Tanto que era chamado de Zé Pelé. O tio Lauro Batista era presidente de um clube frequentado pela raça negra, no qual acontecia o famoso Baile do Carmo, onde Sabauna, ainda menino, entrava escondido para ver a orquestra tocar. “Eu tinha uns 10 anos e ficava de olho ‘apaixonado’ pelo baterista. Com isso, depois de pedir muito para a minha mãe e duas tias que a criaram ganhou um pandeiro. Foi como ganhar um carro do ano, o que acendeu mais a chama e o meu desejo de tocar bateria. Fui à luta e pedi ao meu pai o instrumento, mas ele me disse que eu era muito novo e que não tinha condições financeiras e que gostaria que eu fosse estudar, pois eu teria que ser um advogado. Entrei em casa chorando. Nisso minha mãe me chamou e sugeriu que eu fosse à luta, que pedisse para meu pai que me deixasse trabalhar para eu mesmo comprasse o instrumento.” Aquilo para o menino foi o melhor conselho que alguém poderia ter dado. Não deu outra, Sabauna foi trabalhar. Foi entregador de marmita, engraxate, de pajem, fazendo companhia para as tias idosas. “Meu pai lia jornal, eu os guardava. Como naquele tempo não tinha sacolinha plástica, então eu vendia o jornal limpinho no Mercado Municipal para embrulho. Ajudava a montar circo. No fundo da minha casa tinha um chuchuzeiro que era perfeito, de minuto a minuto tinha chuchu, que eu colhia e vendia nos hotéis e na beira da estação de trem. Com todas essas atividades, consegui um montante de 50 cruzeiros, trabalhando. Minha mãe administrando, eu consegui.” Sabauna conta que na Avenida São Paulo havia uma loja chamada ‘Juca Branco’ que vendia de tudo, inclusive, alguns instrumentos musicais, mas bateria não tinha. De tanto a gente procurar e minha mãe pedir, ele disse que iria trazer. “Ele prometeu que traria, só que isso demorou algum tempo, então, todos os dias em que ia levar marmitas na antiga Suconasa, hoje Cutrale, eu passava pela loja para ver se tinha chegado. Eu deixei o dono louco. Isso durou uns cinco meses. O dia em que Sabauna passou pela loja e viu duas baterias desmontadas chegou meio infartado em sua casa e completamente sem fôlego, pois não conseguia falar. “Eu olhava para a minha mãe e só conseguia balbuciar chegou…chegou. Ai ela me acalmou e eu contei: chegou a bateria. Na mesma hora ela se aprontou e nós dois descemos para a loja onde tinha uma maior, vermelha, e uma menor, verde, mas com menos peças, mas para mim era o suficiente. Negociamos. A bateria custou Cr$ 120,00 cruzeiros. Os Cr$ 50 cruzeiros foram dados de entrada e o restante foi dividido em 7 promissórias de Cr$10 cruzeiros que minha mãe assinou. Ficaram Cr$ 70,00 restantes que eu continuei trabalhando e guardando e no final do mês pagando. O valor desse momento foi único. Nessa fase foi a maior emoção que guardo até hoje. Levei para casa o instrumento.”

Os Intocáveis Bossa Trio

Nessa época já tocava caixa na banda infanto- juvenil Olavo Felipe de Araraquara. Tinha 11 anos. “Montei a minha bateria numa área que tinha em casa e o que eu havia prestado atenção das orquestras dos bailes que tinha assistido escondido. Toquei e toco há 47 anos. A escolha por um instrumento é uma coisa nata.” Assim começou a explorar tudo aquilo que estava gravado no meu inconsciente. Logo apareceu um vizinho, o Fiico, que tocava piano e um outro, o Edmur, que tocava contrabaixo. “Juntou a fome com a vontade de comer. Logo surgiu a idéia de montar um trio. Na época a bossa nova estava no auge”. Com 11 anos estavam tocando Zimbo Trio, Tamba Trio, Claudete Soares. “Começamos a ensaiar e a ensaiar. E de repente tive a honra, ou melhor, muito mais do que isso, de me apresentar no antigo Teatro Municipal simplesmente com Zimbo Trio, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Abrimos o shows desses artistas. Foi um batizado da melhor forma possível dos ‘Intocáveis Bossa Trio’. Os meninos se apresentavam em sarais no Clube Araraquarense, e em eventos como no avant premiere do filme ‘Santo Antonio e a vaca’. O engraçado é que não passava pela cabeça do trio ganhar alguma coisa com isso. Era puro amor à arte! Hoje o Fiico, que foi embora da cidade, atua como engenheiro civil, embora seja um exímio pianista, toca esporadicamente; o Edmur foi para São Paulo e faz muitos anos que Sabauna não o vê, mas sabe que ainda segue a carreira musical.

Os Selvagens

Com o surgimento da Jovem Guarda e a saída dos outros meninos, Sabauna ampliou o grupo. Na nova formação tinha o Bila no contrabaixo, Celso na guitarra base, Getulio na guitarra solo, Valtinho, no sax, Perci na segunda guitarra, Carlão e Modé, no sax tenor e Vilcides no piston. Os garotos tinham entre 15 e 16 anos e uma da maiores façanhas foi terem se apresentado na época na TV Tupi, no programa de Julio Rosenberg. A grande felicidade foi terem passado pelo crivo do maestro Luiz Arruda Paes, Magno Salerno e outros nomes do jet. O grupo que tocava e cantava tinha como vocalista Toni Pen que mais tarde iria para o The Jungles. Logo em seguido foi a vez de Valtinho. O grupo tocou por mais um tempo e por incompatibilidade acabou se separando. Sabauna acabou indo para o Jungles também. O The Jungles foi um grupo que simplesmente marcou toda uma época em Araraquara. Tocavam de quermesse aos melhores clubes da cidade. Formado por Sabauna (bateria), Carlinhos (contrabaixo), Peru, já falecido (guitarra base), Jéferson (teclados), Valtinho (sax tenor) e Toni Pen como vocalista se apresentaram com grandes nomes como Roberto Carlos, Paulo Sergio, Milton Cesar, Martinha, Vanderlea, The Fevers, Sergio Reis, Timoteo, Agostinho dos Santos, Os incríveis, Perla, entre outros. O grupo gravou um LP e fez diversas apresentações em canais de TV no Brasil. O grupo virou uma febre e até hoje a cada 20 metros que caminha pelas ruas alguém olha para Sabaúna com ar de que te conheço de algum lugar. Muitos até chegam a perguntar se é famoso. “Muitas pessoas o abordam dizendo que conheceu o parceiro durante uma baile ou apresentação dos Jungles.” Sabaúna permaneceu no Jungles durante cinco ou seis anos até que saiu indo para tocar no grupo NCSom. Ironicamente, Sabaúna, que era do Jungles, foi para o NS Som e o baterista do grupo, Chiquinho foi o Jungles. “Era um grande batera.”

Alma Brasileira

Dando um passo que considera enorme em sua vida, Sabauna foi tocar na noite de São Paulo, nos anos 70. Começou a tocar numa das maiores casas da capital, a Avenida Danças, o maior táxi dança do Brasil, onde a música não para. A partir daí, Sabaúna tocou em diversas casas como a Spadavechio, a La Vie Rose, Hotel Comodoro, entre outros, até que recebeu um convite para ir para o exterior fazer uma turnê com a cantora Geiza Celeste na Suíça, Portugal e México em um navio. Era 1972. Com a família já formada, Sabauna não foi. Mesmo porque não gosta de nem de voar e nem de navegar. Morre de medo.Voltou para Araraquara e aqui continuou. Foi para a Arley e sua Orquestra, de Catanduva, onde tocou durante 20 vinte anos. Deixando o Arley, Sabaúna fundou o Alma Brasileira formado por Gil, Chiquito, Mario Bergo, Marquinhos Cabeça Azul, Pitoco, Fran. Depois na amplição veio a Marli, Jonnhy, Marquinhos do Cavaco, Peru, Elias, Léo, Fiico e Nenê. O Alma durou 15 anos. Mas não acabou, segundo Sabaúna, pois está em evidência até hoje. Na mente das pessoas. Depois retornou ao Arley onde ficou mais seis anos. Atualmente Sabauna é produtor e dirige (e também toca) a Jazz Big Band da UMAC, Universidade de Música e Artes Cênicas de Araraquara, na FUNDART. Sabaúna foi casado em primeiras núpcias com Zélia com quem teve dois filhos, Márcio William e Laura Beatriz. Atualmente é casado com a Lô, com quem tem três filhos: Juliano, Jeferson e Josilene. Para ele a música é algo nato. Não existe instrumento difícil, mas sim o adequado. No caso da bateria que é um conjunto de tambores (de diversos tamanhos e timbres) e de pratos de onde vem a coordenação já que precisar ser usadaas mãos e os pés? “É algo natural como falar, ouvir, sentir. Algo nato, de mais puro que acontce no mundo. Isso é a música.Todo vez que entro num palco sinto a mesma emoção que senti 43 anos atrás”, desabafa. Aos 58 anos, Sabaúna como músico ainda espera que a música saia um pouco do caminho em que está, onde a midia constróe o sucesso e muitas vezes deixa a qualidade de lado. “ Gostaria que o músico fosse mais valorizado com a dinâmica para a verdade, pois hoje mascaram tudo”. Sabauna também tem um desejo íntimo. “Não paro antes do término, esta é minha filosofia”. Observando o músico percebemos que o menino inquieto que ficava escondido nos Bailes do Carmo para ver baterista tocar conseguiu ocupar o lugar que desejava no mundo: atrás de uma bateria. Tocando, lógico!
(Publicado em 15 de novembro de 2009)

Nenhum comentário:

Postar um comentário