sexta-feira, 28 de janeiro de 2011


FOTO: JOÃO FERRAZ


Sindicalista Élio Neves: “escapei por um triz”

O sindicalista Élio Neves vem ocupando há muitos anos uma posição de destaque entre as lideranças dos trabalhadores rurais. Neves já foi diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação, da Central Única dos Trabalhadores (Contac/ CUT). No ano passado, em junho, havia assinado com o Governo do presidente Lula o protocolo “Compromisso Nacional – Para aperfeiçoar a condição de trabalho na cana de açúcar”. Enfim, para se ter uma idéia da importância de Neves, o próprio presidente Lula o havia chamado para ser um dos representantes dos trabalhadores rurais numa mesa de diálogo em Brasília em 2008. Em 2009 esse processo se afunilou com o lançamento desse compromisso nacional. “Entregamos um cartão de prata colado num facão de cortar cana ao presidente, pois pela primeira vez trabalhadores de cana eram levados em conta por um presidente da República”, orgulha-se Neves. Depois disso, Élio viajou para o Sul para resolver alguns problemas pertinentes ao sindicato. Aquele dia 23 de agosto era para ser mais um domingo como outro qualquer, quando depois de longas viagens, o sindicalista Élio Neves se dirigia ao sítio da família, em Ribeirão Bonito, para descansar. Mas não foi. Conforme relato de amigos que estavam presentes, dois motoqueiros encapuzados chegaram ao local, um deles desceu, dirigiu-se até o sindicalista e após um tiro certeiro na nuca, empreenderam fuga. Élio, socorrido por sua ex-esposa, foi encaminhado ao hospital São Paulo, onde ficou entre a vida e a morte. Seu estado era tão grave que precisou respirar através de aparelhos. Neves que é presidente da FERAESP – Federação dos Empregados Rurais do Estado de São Paulo recebeu manifestações de amigos, companheiros sindicais, admiradores, autoridades do Brasil e foi notícia não só no Brasil como no mundo. “Nunca imaginei viver uma situação destas. Foi uma descoberta, pois eu nunca me preocupei com essas coisas.” Manifestações Ele conta que depois que saiu do hospital é que viu o tamanho da coisa pela quantidade de manifestações da imprensa e de pessoas das mais diferentes camadas sociais, tanto do Brasil como fora. “Pretendia logo que saísse do hospital, vir a público e fazer uma manifestação de agradecimento por todas essas preocupações. Não consegui fazer isso. É a primeira vez que falo com a imprensa sobre isso, pois eu entendia e entendo que aquele episódio jamais poderia ser utilizado por mim ou por quem quer que seja por acumular qualquer tipo de fama ou de carreira. Sempre que venho a público agradeço às pessoas por esse sentimento. Faço o que faço e pretendo continuar fazendo, não para receber gratidão, mas por que tenho paixão. Sou apaixonado pelo sindicalismo, pela política como ação humana.” Élio confessa que o atentado para ele foi como se tivessem retirado um véu: “Élio se cuida, porque você não é dono de si mesmo. Não tinha essa consciência e achava que era meio dono do meu nariz, que conseguia ter o controle da situação. Descobri que não sou nada disso e que devo muito mais às pessoas, à comunidade, à sociedade do que a mim mesmo. Toda essa gratidão e comoção se apresentam para mim como um grande crédito que me coloca o dever de continuar com todas as minhas forças, não no sentido de retribuir, pois não conseguirei, com certeza, mas no sentido de cumprir bem o meu papel. Não pretendo parar. Tinha vontade de me aposentar e me acalmar, mas esse atentado mudou meus planos e exatamente por conta disso, enquanto houver uma pitada de fôlego de vida não pararei, pois a resposta que todos deram a esse episódio foi… para mim…não tenho palavras…não tenho palavras…foi de uma grandeza incomparável”, diz emocionado.

O atentado

“Havia acabado de chegar do Sul. Estava muito cansado. Estava um domingo muito chuvoso e fui para o sítio da minha família, que fica nas proximidades do Rio Jacaré, descansar. Deitei no sofá. Dormi. E o resto todo mundo sabe… Não ouvi o tiro. Não vi o atentado. Acordei com uma dor muito forte na cabeça. Não consegui identificar o que estava acontecendo, muito zonzo. Tive muita sorte e acho que fui abençoado, pois a bala que me pegou na cabeça, bem na nuca, acabou não entrando no cérebro. Os médicos disseram que se isso tivesse acontecido eu teria dois minutos de vida: ou eu fui muito cabeça dura ou a bala era muito mole. Foi a minha ex-esposa me socorreu.” Para o sindicalista, possivelmente, as razões do atentado são interesses feridos que não tinham como se manifestar no âmbito da liberdade e da democracia e se manifestaram com um ato criminoso, o que é extremamente ruim para mim pessoalmente, mas ruim também para a própria convivência política que demonstra que nós não estamos maduros para conviver com as diferenças. Precisamos fazer um exercício cada vez maior de convivência com as diferenças, com as divergências, por que somos seres humanos e não um bando de iguais, não somos objetos e não temos que pensar a mesma coisa. Acredito que é nessa contrariedade que a gente cresce, aprendendo como outro, convivendo com o contrário. É assim que a sociedade cresce e que viveremos melhor. Espero realmente que as investigações que ainda não estão concluídas cheguem ao fim, não para uma satisfação ao Élio Neves, pois eu estou muito satisfeito. Estou vivo. Trabalhando. Não fiquei com nenhuma sequela, aliás, estou melhor do que estava antes, porque acho que o tiro me causou uma transformação no sentido de valorizar mais a vida. Não a vida como propriedade de um, mas a vida do quanto ela vale na nossa pouca existência. O que a gente tem e deve fazer aproveitando ao máximo nossa existência para construir coisas boas, a paz, coisas que sejam duradouras na vida das pessoas. Ninguém é responsável sozinho por transformar nada, mas todo mundo é responsável por fazer alguma coisa.” Quanto às mudanças que ocorreram após o atentado, Élio conta que antes era uma pessoa muito largada. “Eu adorava, nas madrugadas, muitas vezes de insônia, caminhar pela cidade. O que também é uma característica da minha deficiência visual, pois andar no trânsito é complicado, mas de madrugada a cidade estava à minha disposição. Agora perdi esse lazer. Também não posso mais ficar sozinho, sempre tem alguém me acompanhando no sentido de me ajudar quem está rodeando. É um cuidado, embora não consiga me privar por inteiro. Enquanto eu estava no hospital contrataram empresa de segurança e as próprias polícia militar e civil fizeram um trabalho muito intensivo de segurança, mas com o passar do tempo em que fui retomando as atividades normais cuidei para que isso fosse desfeito e que a gente tivesse um esquema de trabalho com o próprio pessoal da casa, com os trabalhadores que me acompanham para evitar ou inibir novas tentativas como ocorreu naquele 23 de agosto.

Espelho


O sindicalista é filho do saudoso sindicalista Francisco e da dona Zilda. Nascido em 20 de fevereiro de 1958, em Pereira Barreto, por acidente, pois a familia toda é de Araraquara. Dos sete irmãos, Élio, que tem dois filhos, foi o único que se espelhou no pai, um trabalhador rural que era militante do antigo Partido Comunista Brasileiro. Ele conta que até hoje é empregado da família do Coca. “Deixei a fazenda para assumir o sindicato. Fui licenciado do trabalho, mas continuo empregado deles. A dona Nanci, o Coca e os seus irmãos são legitimamente meus empregadores.” Ainda adolescente, dois fatos o marcaram, um deles o acidente dos trabalhadores, com um caminhão, na Cargill, nas descida do Palmeirinhas, onde morreram cerca de 20 trabalhadores e um outro em frente a Usina Maringá alguns anos depois onde morreram uns 15 trabalhadores. Foi ai que decidiu que era realmente preciso fazer alguma coisa pelos trabalhadores rurais. Élio Neves participou de inúmeros movimentos, mas alguns que marcaram a história como a greve ou movimento de Guariba, em 1984, que foi organizado em Araraquara. “Os cortadores de cana precisavam sair de uma situação de extrema exploração, miséria e enfrentar a opressão que os usineiros faziam na época com muita força”, afirma o sindicalista acrescentando que esta foi a primeira vez que os usineiros sentaram diretamente com os trabalhadores numa mesa de negociação. “Antes não sentavam.” Outro fato importante é que conseguiram por combinar a luta por melhores condições de trabalho com a reforma agrária. Élio é o mentor da Feraesp, que foi criada em abril de 1989.
(Publicado em 18 dejaneiro de 2010)

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