Foto-João Ferraz
FAITO comunista sim senhor!
Este fantástico homem sempre esteve à frente de seu tempo e nunca teve medo de colocar suas idéias em prática
A oficina Faito, à primeira vista, parece uma oficina qualquer. Mas não é. Ali, segundo Benê (Benedito Salvador Carlos), amigo e freqüentador, é um lugar onde o tempo não passou nos últimos 30 anos. “Olhando o lugar você nem pode imaginar quanta história, quanta tradição, quantos sonhos e de quantas pessoas importantes ali continuam passando, como se o tempo não passasse”, conta emocionado. Benê diz que o mecânico Raphael Luccas Martinez , o Faito, sempre foi uma pessoa diferenciada, à frente de seu tempo. Pessoa humilde, estudada somente pela escola da vida. Faito foi para São Paulo aos 18 anos. Ficou por lá durante dez anos e trabalhou na fábrica de um francês que produzia cruzetas de cardans. Ali começou a nascer o grande mecânico especialista em torno. “Aprendi tudo que sei sozinho”, diz Faito, que retornou a Araraquara quando tinha 28 anos. “Abri uma oficina em parceria com meu irmão, mas depois de um conselho decidi seguir sozinho. Deu certo. A Oficina Faito está completando 50 anos.” Faito teve como companheira Lurdes, ou Lurdoca como chamava carinhosamente a esposa falecida há três anos. O casal teve 15 filhos. Os meninos aprenderam mecânica com o pai. Hoje lá trabalham José Lucas (Zé), Diogo, Celso (Baiano). “Meu pai sempre foi bom demais. Bravo somente quando a gente passava dos limites”, conta Diogo, um dos filhos. O mecânico conta que Lurdes não queria se casar com ele. Por isso a união somente foi oficializada quando o casal já tinha sete filhos, pois a mãe do Faito tinha falecido e tinham que acertar os papéis, pois ninguém era registrado. Já o amigo Benê acrescenta que dois dos filhos do casal receberam o nome de batismo de “Jânio e Eloá”, em homenagem ao seu presidente e ídolo. “Os filhos sempre foram trabalhadores e de grande sucesso no meio esportivo de nossa cidade, seja no esporte a motor, onde brilharam nas fileiras do moto-clube de Araraquara, na natação, onde se fazem presentes na história até hoje”, destaca.
Grandes feitos
Benê conta que Faito sempre foi um torneiro mecânico diferenciado, genial, que construía coisas e objetos, otimizava empreendimentos, criava, inventava, dava vazão a um conhecimento científico, descoberto apenas e tão somente por sua curiosidade e seus próprios experimentos. “Ele foi um mestre para uma gama de novos profissionais formados em Araraquara e região. Com seu talento, foi uma pessoa que participou ativamente em experiências indescritíveis, algumas delas, com o cientista Dr. Frederico Di Marco, outro gênio, trabalhou no projeto de precipitação de ‘chuvas artificiais’.” Benê lembra que Faito, De Marco e Edmundo Lupo, dono de uma aeronave, desenvolveram técnicas próprias, que nas épocas de estiagem em Araraquara resolviam os problemas da falta de água, hoje comumente utilizado nas plantações de hortifrutis, especialmente de maçã. “É dele também, sempre em parceria com o cientista, face à sua extraordinária habilidade como torneiro, o desenvolvimento de várias “ferramentas”, inclusive uma em especial para cirurgias de cérebro humano. A idéia básica da descoberta, impensável para qualquer comum na época, coisa de 50/60 anos atrás, foi destampar a cabeça do paciente, através do instrumento por ambos desenvolvido, e então cirurgicamente utilizado pelo médico, descomprimindo a região afetada e com isso libertando o paciente de sua enfermidade.” Faito ao ouvir o nome de Frederico de Marco diz que ele era bom médico e amigo do povo. “Um grande araraquarense”. Um homem de princípios Faito conta orgulhoso que nasceu a caminho da Rua Américo Brasiliense. Em 3 de março de 1917. Era um tempo em que ainda havia tropas de cavalos, bois, porcos. Como havia a Estrada de Ferro, o saudoso Saturno avisava através do serviço de alto falante que as tropas vinham chegando. O mecânico já esteve sete meses preso por matar um homem em legítima defesa, mas sua dignidade, valores e princípios sempre falaram mais alto, e a confiança no homem que desenhava, construía e até modificava peças prontas nunca foi abalada. Tanto que anos depois do ocorrido, o amigo Flávio Ferraz de Carvalho, que era parente próximo do rapaz morto, disse a ele que não lhe guardava mágoa. Hoje, Faito, com alguns problemas de saúde já não trabalha, mas sua paixão pela mecânica resiste. Tanto que passa grande parte de seu tempo na oficina que construiu com suas próprias mãos. Os olhos claros que devem ter provocado muitos suspiros estão mais sonhadores. O corpo, já não tão ágil precisa, às vezes, de amparo. Mas esse homem que se fez sozinho, construiu e consertou coisas tão fantásticas atropelando a ignorância de seu tempo faz parte da nossa história. Ocupa um lugar de honra no pódio daqueles que não vieram a esse mundo a passeio e mostra a razão de ser um comunista de carteirinha: ser um homem à frente de seu tempo! Faito foi o fundador do Estrela Futebol Clube, que nem sempre teve esse nome. Era Estrela Vermelha Futebol Clube, mas por conta da perseguição aos comunistas teve que modificar o nome. Ainda com muito fôlego político, aos 92 anos, o mecânico manda seu recado acrescentando que a cidade não vai pra frente pois os vereadores e a maioria dos prefeitos que entraram ai é tudo “vagabundo”, nenhum funciona. O vereador tem que ser um soldado da cidade”, orienta o homem que, segundo Benê, sempre foi engajado em suas convicções políticas, que a vida inteira foi de “centro-esquerda”, convicto, sempre acreditou que socialismo era o melhor. “Eu queria ser prefeito! Só não fui porque não aceitavam minha candidatura. Era comunista”, diz ele rindo gostosamente. O mecânico revela que desde moleque o comunismo o encantava. “Nasci praticamente dentro do partido comunista que já foi bom, mas hoje não é mais. Tive até carteirinha”. Paradoxalmente, segundo Benê, a mesma pessoa que acreditava cegamente no socialismo, foi um empreendedor nato, pois fora patrão a vida toda, em uma atividade que sustenta até hoje todos os seus. “Como proprietário de empresa metalúrgica, democraticamente e porque acreditava que mudanças eram necessárias, recebeu em sua oficina aqui em Araraquara, nos anos 80, o promissor líder sindicalista, Luiz Inácio Lula da Silva e o ajudou em principiar nesta terra, sua campanha de conscientização de dias melhores para a classe operaria”. Seu conhecimento, de acordo com Benê, como torneiro mecânico, transcendia, e foi de grande valia para o então jovem eleito prefeito Rômulo Lupo, que além de conhecimentos acadêmicos avançados e experiências em países desenvolvidos da Europa, trouxe para nossa Araraquara em suas gestões o elementar, porém essencial para a saúde pública, o “saneamento básico”, que consistia em água encanada e calçamento público. Faito, com seu conhecimento, com seu desprendimento e suas habilidades foi figura marcante na criação do sistema de tubulações e galerias, em uma época de inexistência do hoje contemplado “DAAE”. O filho Diogo conta que, ainda menino, lembra que o pai muitas vezes estava assistindo a um filme com sua mãe e o lanterninha Chico Mariano parava o filme, a mando do prefeito. Acendia as luzes, procurava por meu pai e quando o encontrava dizia que o prefeito o estava chamando, pois havia estourado um encanamento”. Faito conta que Rômulo Lupo foi seu amigo de infância. “Foi o melhor prefeito. Ele gostava da cidade. Nasceu aqui, nas duas vezes em que se candidatou ganhou. Eh, italiano véio!”, diz cheio de alegria. No caso dos tróleibus, quando o governo municipal decidiu estender o trajeto até o campus, os novos veículos haviam sido adquiridos de Porto Alegre como sucata por conta de um problema numa peça denominada chave de vácuo. Faito ficou durante três meses estudando a forma daquilo funcionar. Tudo havia sido experimentado, até que… eureka!, ao escovar os dentes percebeu que a pasta seria a solução. Quando o técnico veio do Rio de Janeiro para testar a tal ampola verificou que a capacidade exata de energia para que a mesma passasse para a outra linha estava correta e melhor, funcionando.
(Publicado em 8 de agosto de 2009)
(Publicado em 8 de agosto de 2009)
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